1. Quando e porque é que se tornou numa vegetariana?
Sou vegetariana desde os 22 anos, já lá vão quase 20 anos. Na altura apercebi-me que podia substituir a carne por alimentos proteicos de origem vegetal e mudei sem hesitar. A minha decisão teve origem numa questão ética. Desde cedo que me interessei por esta área. Sou jornalista de profissão e sempre escrevi muito sobre nutrição e família nas revistas e jornais. A ideia de escrever os livros surgiu precisamente da noção de que havia pouca informação disponível e um interesse crescente sobre o vegetarianismo. Sempre que tinha oportunidade, falava com profissionais de saúde e pedia a opinião a pediatras, para além de estar atenta ao que se publicava lá fora e às recomendações da Organização Mundial de Saúde.
2. É possível começar a ser vegetariana de um dia para o outro, ou convém começar aos poucos?
Há pessoas que mudam de um dia para o outro, mas penso que a maioria faz uma transição progressiva, seja por razões de saúde, ecológicas, éticas ou outras. O vegetarianismo é encarado por muitos como uma decisão para a vida e nem sempre é socialmente bem entendido. Quando um membro da família decide começar a fazer refeições vegetarianas pode ser uma boa oportunidade para todos melhorarem os seus hábitos alimentares. Mas quando se está a começar, convém ter algumas noções básicas sobre a melhor forma de combinar os alimentos e de planear as refeições. Há um movimento internacional interessante associado à sustentabilidade ambiental chamado ”2ªs sem carne”. Conheço várias famílias que passaram a fazer refeições vegetarianas em casa para responder a esse desafio. Seria bom que também as escolas aderissem e tivessem diariamente uma opção vegetariana nos menus.
3. Sentiu alterações nas suas rotinas que atribui ao facto de se ter tornado vegetariana?
Quando me tornei vegetariana descobri o prazer da culinária e passei a comer com mais qualidade. Tenho uma rotina intensa, pois trabalho e tenho três filhos, por isso tento organizar-me para conseguir gerir melhor o tempo. Costumo cozer mais quantidade de leguminosas e congelo porções. Congelar é conservar, por isso é uma boa opção. Também recorro a legumes e frutos congelados, embora prefira os frescos e biológicos. Não sou adepta de ter os legumes só na sopa ou a decorar o prato. Pelo contrário, procuro fazer dos legumes um elemento central e prepará-los de forma criativa.
4. Muitas vezes é difícil convencer as crianças a preferir a comida saudável às pizas e hambúrgueres. Qual é o seu truque para convencer os miúdos?
Podemos fazer a versão saudável dessas comidas preferidas. Para as crianças, e mesmo para nós, podemos transformar as leguminosas, os legumes e os cereais e apresentá-los em formato de hambúrguer, almôndegas, pastéis ou croquetes. Recorro também ao tofu e ao seitan para refeições rápidas, até porque são fáceis de adaptar aos pratos tradicionais. No Jumbo alguns destes produtos estão disponíveis frescos. Podemos quebrar a monotonia e estimular a diversidade de sabores. O prato deve ser colorido. Isso é válido tanto para as crianças como para os adultos.
5. É importante educar o paladar desde cedo…
É fundamental darmos a oportunidade aos bebés de apreciar o sabor natural dos alimentos. No novo livro dou várias sugestões de purés de legumes e de cremes de fruta para estimular o gosto e ter refeições com sabores distintos, e não apenas sopas indiferenciadas com todos os ingredientes misturados. Mais tarde podemos incorporar os legumes em pedaços, de preferência cozinhados ao vapor e sem sal, e incentivar a criança a agarrar, levar à boca e saborear. No prato dos mais crescidos podemos ter pequenas porções de legumes, leguminosas e cereais integrais, para criar o hábito do consumo regular destes alimentos. Estimular o sabor e diversificar as refeições é muito importante. E se houver tempo, fazer figuras e desenhos no prato para o tornar mais lúdico e atrativo.
6. E mesmo os adultos não são fáceis de convencer…
Fazer refeições vegetarianas em casa é mais fácil do que a maioria das pessoas pensa porque há receitas em que se usam os ingredientes habituais, só mudam os condimentos ou a forma como se apresentam os pratos. Por exemplo, o caril de grão, o strogonoff de cogumelos, a feijoada vegetariana ou as almôndegas de legumes. São pratos tradicionais com pequenas alterações e acessíveis financeiramente.
7. Uma alimentação vegetariana não limitará o que as crianças podem comer numa fase da vida em que a alimentação deve ser muito variada?
A alimentação vegetariana deixa de lado a carne e o peixe, e derivados de origem animal, mas inclui muitos outros alimentos que costumam estar longe dos menus infantis, que infelizmente estão cada vez mais reduzidos a produtos refinados, açucarados e hipercalóricos. O padrão alimentar vegetariano, desde que bem planeado, é adequado a todas as fases da vida, como confirmam várias organizações internacionais de pediatria. Recentemente foi também publicado um Manual de Alimentação Vegetariana para crianças em idade escolar pela Direção-Geral de Saúde, precisamente para responder a este tipo de dúvidas.
8. É muito crítica em relação ao uso de açúcares na comida das crianças.
As recomendações pediátricas são claras no sentido de nunca se usar qualquer tipo de açúcar e de se evitar o sal, pelo menos, até ao primeiro ano de vida. Por isso, não compreendo que os fabricantes adicionem açúcar nas papas dos bebés. Sugiro antes a compra de papas biológicas isentas de açúcar ou a confecção de papas caseiras com ingredientes selecionados e económicos. No livro das crianças deixo muitas receitas de papas que podem ser preparadas em casa em apenas 10 minutos, como a papa de arroz com maçã, a papa de cevada ou a papa de quinoa com cenoura, para além dos purés de fruta, das primeiras sopinhas, etc.
9. Nas festas das crianças é difícil evitar a tentação do açúcar.
Quando faço festas para os miúdos ou para a escola faço sempre receitas de doces sem ovos e sem produtos lácteos, e muitas sem açúcar. De uma forma geral, os pais ficam surpreendidos com o sabor e a textura e acabam a pedir dicas e receitas. Neste último livro, as receitas são todas sem açúcar, com sugestões de bolos, bolachas, gelados e outros doces saudáveis, a pensar no dia-a-dia e para ocasiões festivas.
10. Nos seus livros costuma falar dos mitos da cozinha vegetariana. Qual é aquele mais comum?
No primeiro livro, “Cozinha Vegetariana para quem quer poupar”, procurei desconstruir a ideia de que a culinária vegetariana “é de difícil acesso, cara e complicada”. Talvez seja esse o mito mais comum. Na verdade, a comida vegetariana pode ser fácil de preparar, saborosa e acessível. Podemos encontrar a maioria dos ingredientes em qualquer loja e preparar as refeições sem gastar muito, tempo e dinheiro. As receitas dos meus livros não contêm ovos ou laticínios, pelo que dão resposta também aos casos de intolerâncias e alergias alimentares. É possível fazer todo o tipo de receitas, incluindo bolos e sobremesas, sem estes ingredientes.
11. Quando retiramos do prato a carne, o peixe, os ovos e os laticínios, como podemos compensar o organismo de forma a evitar carências nutricionais?
Como costumo dizer, não basta retirar do prato esses alimentos, é necessário substituí-los por outros e diversificar as refeições. É importante ter presente quatro grandes recomendações, que são válidas para qualquer regime alimentar e idade, mas no caso do vegetarismo são ainda mais relevantes. Para obtermos proteínas completas, com todos os aminoácidos essenciais, podemos combinar as leguminosas com os cereais (por exemplo, arroz com feijão) ou escolher alimentos completos em proteínas, como o tofu ou a quinoa. Para haver uma boa absorção do ferro, devemos incluir um alimento rico em vitamina C (por exemplo, tomate ou sumo de laranja) e evitar os chamados inibidores do ferro – os refrigerantes, o chocolate e o café – pois impedem a correta absorção do ferro quando são ingeridos na mesma refeição. Para ter os ácidos gordos essenciais, nomeadamente ómega-3, podemos incluir linhaça ou sementes de chia. Para garantir a vitamina B12, podemos suplementar ou escolher alimentos enriquecidos nessa vitamina. Esta informação é detalhada na introdução dos livros.
12. Na seleção dos produtos, que conselhos pode dar aos nossos leitores? Devem procurar algum selo ou etiqueta em particular?
Para quem quer começar uma alimentação vegetariana sugiro dar prioridade ao avulso nos hipermercados e aos produtos integrais. O avulso permite comprar quantidades menores e ir experimentando novos sabores. A leitura dos rótulos é também importante para verificar se tem ingredientes contraindicados ou não desejados. Sempre que possível, optar por produtos nacionais, da época e provenientes de agricultura biológica ou sustentável.
13. Que 5 alimentos base não podem faltar na sua despensa?
Na minha despensa não podem faltar leguminosas secas, cereais e farinhas integrais, sementes e frutos secos, e muitas especiarias.
14. Se fizer um jantar em casa para os amigos (em que nem todos serão adeptos da cozinha vegetariana) que combinações utiliza para dar sabor aos pratos?
Nos jantares com amigos mantenho os meus hábitos e normalmente os convidados recebem com expectativa e surpresa os meus pratos vegetarianos. Dou prioridade a receitas mais criativas e coloridas e os convidados acabam normalmente a tentar adivinhar os ingredientes.
15. Assim em jeito de conclusão: quais são as 3 principais características do tipo de culinária que pratica?
Dou prioridade a uma culinária de proximidade, com a qual temos de nos identificar, e que seja de fácil e de rápida execução.