1. Aqui no seu consultório e também no seu website salta à vista a frase “Alimentação Saudável não é dieta, é estilo de vida”. Pode explicar melhor?
A alimentação saudável não pode ser encarada como uma alimentação restritiva. A própria palavra “Dieta” é na verdade um tipo de alimentação, um estilo de consumo e não deve ser abordada como uma “privação”. A grande prioridade para conseguir uma alimentação mais saudável é a diversidade de alimentos, o consumo de alimentos não processados e de alimentos sem aditivos.
2.Cada vez mais pessoas afirmam a intenção de levar a cabo uma alimentação saudável mas isso depois acaba por não se concretizar. Muitas vezes é provável que seja uma questão de falta de informação. Como é que podemos identificar os alimentos mais saudáveis?
Atualmente há muita informação disponível mas as pessoas estão muito mal informadas. A nutrição é baseada na ciência e infelizmente existe muita informação que surge, sobretudo nos meios digitais, sem fundamento científico.
Para identificar alimentos processados ou aditivados é fácil: normalmente muitos ingredientes no rótulo significa que já não se trata apenas do alimento original/natural mas que lhe foram acrescentados mais ingredientes, com exceção do pão que, como contém muitos cereais, obriga a rótulos muito descritivos. Esses ingredientes podem até ser sal e açúcar, que são naturais, o que não significa que sejam bons para a saúde alimentar. O facto destes alimentos, ou melhor, géneros alimentícios, serem processados ou aditivados significa que o processamento hepático (fígado) que funciona como um filtro vai ser mais trabalhoso. O fígado metaboliza e desintoxica. Com o tempo, se lhe dermos muito trabalho, vai envelhecendo mais depressa. As bebidas alcoólicas, o café e os medicamentos são alguns elementos que o fígado tem mais dificuldade em metabolizar.
A idade também influencia porque o envelhecimento dos órgãos impacta sobre a metabolização. As pessoas de mais idade tendem a comer menos à noite porque vão demorar mais tempo a fazer a digestão.
3. Quais são os maiores erros que as pessoas cometem?
Hoje há muitos problemas alimentares que estão associadas a compulsões e disfunções comportamentais. As pessoas compensam o stress, a frustração com alimentos que lhes proporcionam prazer. A este nível temos de trabalhar muito na gestão de expectativas, nas emoções associadas à comida. O mais importante é conseguir pensar antes de atuar. Aqui o apoio motivacional é essencial. As nossas necessidades alimentares diárias estão muitas vezes invertidas em relação ao nosso estilo de vida: tendemos a comer menos de manhã e mais à noite, quando as necessidades são o oposto. Depois de dormir, de um longo jejum, o corpo precisa de mais alimentos para enfrentar o dia; ao final do dia é o oposto, porque vamos dormir. A pirâmide calórica é a oposta de muitos dos nossos hábitos.
Outra das questões prementes é a interação entre alimentos. Conhecemos algumas, mas ainda há um longo caminho a percorrer nesta matéria. Por exemplo, beber um sumo de laranja e um café de manhã é impor ao organismo um trabalho gástrico excessivo devido ao ácido cítrico. O sumo de laranja é saudável, mas quando associado a uma bebida quente como o café a vitamina C degrada-se. O leite com cereais… o cálcio tem tendência a ficar preso à fibra e não é absorvido pelo organismo. Claro que se pode compensar a ingestão de alimentos com cálcio ao longo do dia.
4. Tipicamente quais os objetivos das pessoas que procuram aconselhamento com o Diário de uma Dietista?
Existem muitas razões que estão na origem da vontade de ter uma alimentação mais saudável, todas são legítimas porque a nossa primeira preocupação é a saúde: perder peso, diminuir o colesterol, melhorar o bem-estar geral, etc. As nossas consultas de nutrição baseiam-se em primeiro lugar num critério de saúde com 3 passos: identificar o perfil da pessoa, conhecer o historial de saúde (com análises clínicas) e a história dietética. Temos muitos casos que podem ser considerados patológicos e que não estão forçosamente associados a problemas de obesidade.
5. Quais são as regras de ouro que são fundamentais seguir, para quem ter uma boa alimentação?
Nutrição é diversificação de alimentos. O nosso organismo gosta de variar! O equilíbrio é o ideal. Mas também não devemos tornar a preocupação pela alimentação saudável, numa obsessão. Já existe uma patologia em que as pessoas, sobretudo mais jovens e mais informadas sobre estas questões, desenvolvem sentimentos de ansiedade quando não conseguem controlar de forma “perfeita” a sua alimentação.
Outro elemento muito importante, para além da diversidade de alimentos é o volume e o ritmo de consumo. Por exemplo, há pessoas que fazem uma dieta restritiva durante a semana de trabalho e chegam ao fim de semana e comem mais quantidade e alimentos com nutrientes aos quais não estão habituados. O corpo ressente-se, claro. Para tudo é preciso conta, peso e medida!
6. Qual é o papel da família? Muitas vezes é difícil conciliar os gostos alimentares e as necessidades nutricionais dos vários membros da família…
A mudança de estilo de vida para uma alimentação saudável faz-se também em família! Deve-se começar por uma conversa com todos os elementos da família incluindo crianças pequenas. A mudança tem de ser progressiva para diluir a resistência. O “dia da limpeza da despensa” é um bom começo. Substituir gradualmente alguns alimentos, acrescentar sempre a todas as refeições legumes, eliminar os refrigerantes… são os primeiros passos para maior equilíbrio na alimentação. Para os adolescentes a argumentação tem de evidenciar os benefícios imediatos de uma alimentação mais saudável: sensibilizar para a diminuição do consumo de açúcares e gordura; no caso das raparigas para evitar a retenção de líquidos que provoca celulite, no caso dos rapazes para não acumular gorduras em detrimento da massa muscular… estes são alguns dos argumentos mais funcionais que podemos usar.
7. Diz-se que o pequeno-almoço é a refeição mais importante do dia. Considera que sim?
Um bom pequeno almoço é essencial e se se pratica desporto de manhã ainda mais. Pode incluir pão (escuro de preferência), ovos mexidos ou uma panqueca de claras e aveia. Não recomendo o leite de manhã porque é um nutriente líquido difícil de metabolizar e pode provocar disfunções no intestino. O chá é uma boa alternativa. Os sumos de fruta naturais também não são a opção ideal porque provocam picos de glicemia quando consumidos em jejum.
8. Que 3 ingredientes não podem faltar no seu frigorífico?
O meu frigorífico está sempre um pouco vazio porque tento consumir produtos frescos. O que está sempre presente são iogurtes, leite sem lactose, ovos e pão escuro fatiado. Tenho a sorte de ter acesso, por questões familiares, a legumes frescos e por isso também tenho sempre alguns no frigorífico.
9. Como já referiu, a vida das pessoas anda a um ritmo acelerado, o que torna difícil não optar pelos food courts. Que conselhos pode dar para tentar evitar esta situação? E quando não há alternativa o que podemos fazer?
Ter pouco tempo para almoçar não significa ter de comer de forma desequilibrada. Penso que a moda das marmitas foi o melhor que podia ter acontecido. Comer o que sobrou do jantar do dia anterior, acrescentar uma sopa ou um acompanhamento é uma solução perfeita. Nos acompanhamentos devemos variar e experimentar ao longo da semana alimentos distintos como por exemplo: leguminosas, milho, quinoa, couscous integral, bulgur, arroz basmati, batata-doce, e até macedónias de legumes congelados. Se não existe essa hipótese e a única alternativa é comer fora então sugiro grelhados, saladas, bacalhau assado…. Os pratos típicos com leguminosas são bons (ervilhas com ovos escalfados), o que devemos evitar são os enchidos.
10.Qual é o papel da atividade física em toda esta equação? Nem todos os dias há tempo para a prática….
A atividade física faz parte da mudança para um estilo de vida mais saudável. Alterar só a alimentação não chega. A maioria das pessoas tem esta consciência. Isto não significa que seja necessário fazer uma atividade desportiva intensiva. As pessoas têm de escolher o que lhes dá prazer e o que conseguem integrar na sua rotina: caminhadas, dança, artes marciais, natação, Box crossFit,… qualquer atividade é válida desde que não haja contraindicações físicas. Se não for possível também se podem fazer exercícios em casa. Esta é uma das questões que abordo no meu livro “Emagreça em casa” em que apresento muitas soluções para fazer exercício naqueles minutos que temos livres e que ativam o metabolismo.
11. Do que é que mais gosta na sua profissão/atividade? É ver os resultados?
O que me dá mais prazer na minha profissão é assistir à mudança na qualidade de vida das pessoas: seja através de melhores resultados nas análises clínicas, seja por se verificar um maior equilíbrio emocional no comportamento alimentar. Ver que ganham controlo e se sentem mais competentes é gratificante.
12. Concilia as suas consultas de nutricionista com a escrita de textos sobre o tema. É apenas um gosto pessoal ou é mais do que isso?
Gosto muito do que faço mas é difícil conciliar consultas, escrita, universo digital (site/blog)… dedico 4 dias por semana às consultas e a sexta-feira e o fim de semana à escrita. Lançar o livro foi uma boa experiência, mais do que um sucesso de vendas. Penso que as pessoas ainda estão mais sensibilizadas para livros que exploram soluções muito funcionais e imediatas. O meu livro dedica-se a quem de facto quer encarar uma mudança de estilo de vida e não apenas uma dieta alimentar saudável. Eu trato da saúde através da alimentação – não procuro soluções instantâneas.
13. Qual é o papel de marcas como o Jumbo na melhoria dos hábitos alimentares das pessoas em geral? Acha que se podia fazer mais? O quê?
O papel dos hipermercados nesta área é de facto importante. É preciso mais informação e mais transparência na comunicação. Nas lojas as pessoas deveriam ser expostas a produtos saudáveis mais do que apelar ao consumo de alimentos processados, sobretudo nas épocas festivas.