Numa sociedade dedicada à rapidez e eficiência, sobretudo nas áreas urbanas, o ato de se alimentar confunde-se com os milhares de pequenas tarefas a desempenhar ao longo do dia. De preferência de forma rápida, eficiente e produtiva. O resultado é uma hora de almoço que de hora só tem o nome. Não é mais que um punhado de minutos passados à secretária, ou de passagem numa mesa e cadeira nas quais mal se aquece o lugar.
O almoço é partilhado, cada vez mais, com o telemóvel ou o computador, ou com pessoas igualmente atarefadas nos seus pequenos ecrãs. Ao invés de ser um momento saudável de convívio e abrandamento, de reposição de energia para uma tarde de trabalho.
Essa prática de alimentação, quando prolongada no tempo, contribui para uma má relação com a comida. E muitas vezes com o próprio corpo. O facto de comer com pressa pode ajudar a ultrapassar em muito a quantidade de comida verdadeiramente necessária. Pois não se está a dar ao corpo tempo suficiente para reconhecer os sinais de saciedade. Sem conseguir ouvir o corpo, come-se mais, e pior, sem ter oportunidade de sentir o prazer de se alimentar.
Por sua vez, a digestão pode ser conturbada, devido:
- à pressa
- ao aumento das quantidades
- aos pedaços de comida que se engolem quase inteiros, sem mastigar mais que o indispensável
- aos alimentos que se comem demasiado quentes
A esta forma de comer junta-se a fast food e o pouco cuidado de escolher, mesmo fora de casa, opções mais saudáveis. Assim, as consequências para o sistema digestivo, e o bem-estar geral, multiplicam-se.
Mudar hábitos na forma e contexto em que se come pode demorar algum tempo, e não há mal em ser assim. Ao longo de um, ou mais meses, vá tomando consciência da forma como está a comer. Sempre que puder, mude um pormenor a seu favor. Pode ser prolongar um pouco a refeição, afastar os ecrãs ou começar uma conversa amena com quem está consigo.
Inspire-se nas seguintes sugestões para comer de forma consciente
Tempo e espaço
Planeie com calma quando e onde será a sua refeição. E tente disponibilizar tempo para ela. Tente marcar a hora de almoço, se tem essa facilidade. Ou ajustar o que come durante a manhã, para não chegar a essa hora esfomeado. A sensação forte de fome é inimiga da calma e do bom humor.
Tente comer à mesa, ou num local especificamente escolhido para esse fim, como um banco no jardim. Pode comer sozinho ou acompanhado. Cada opção tem os seus benefícios. E a sua preferência também pode variar conforme os dias ou as refeições.
Antes de comer, quando está sentado à mesa à espera de colegas, ou mesmo antes de sair da secretária para ir almoçar, pare por uns segundos e respire cinco vezes profundamente. Este pequeno ritual ajuda a abrandar o ritmo do corpo e a prepará-lo para um momento de pausa, que contrasta com o frenesi da manhã de trabalho.
Procure que a refeição propriamente dita – desde que pega nos talheres até que os arruma no final – dure pelo menos 20 minutos. Após acabar de comer, mantenha-se sentado pelo menos cinco minutos, que vão ajudar o corpo a reconhecer que acabou de se alimentar e que a digestão vai prosseguir com calma.
Algumas regras de etiqueta que hoje correm o risco de parecer antiquadas, em alguns contextos, continuam a fazer bastante sentido, como sejam:
- esperar que todos cheguem à mesa antes de começar a comer
- retirar as distrações
- dedicar a sua atenção aos convivas e ao seu prato
- não comer a comida enquanto esta está demasiado quente. Assim será possível distinguir os sabores na boca, ao invés de uma aflição de dor e sensação de queimadura
- entre cada garfada, pousar os talheres e respirar. É surpreendente a quantidade de pequenas apneias (parar de respirar por uns momentos) que se fazem a comer, e o quanto esse tempo aumenta se se come com sofreguidão
Mindful eating
Alimentar-se pode ser uma experiência sensorial muito rica e agradável. Basta prestar-lhe a devida atenção. No limite, pode tornar o ato de comer numa forma de meditação, deixando que a mente se abstraia de tudo, para lá do que os sentidos lhe transmitem naquele momento.
A conhecida meditação sobre o quadrado de chocolate ensina isso mesmo. Pode fazer-se um pequeno ritual meditativo, desde o momento em que se retira o quadrado de chocolate da caixa:
- observa-se o chocolate, identificando linhas e texturas
- cheira-se o chocolate
- ao colocar na boca, deixa-se derreter sobre a língua
Desta forma, todos os sabores, texturas, aromas e sensações são ampliados, tal é a atenção e o tempo que se lhes dedica.
Na vida prática do dia-a-dia talvez não seja exequível observar em pormenor cada garfada de salada, antes de a comer. Mas pode fazer-se uma abordagem intermédia, em que se consegue comer devagar e saborear de facto. Sem necessariamente se abstrair dos seus pensamentos ou da conversa animada com quem está consigo.
O jornalista de alimentação Michael Pollan, que passou muitos anos a investigar os hábitos alimentares da população mundial, chegou a uma série de conselhos globais sobre alimentação.
Estes dão que pensar e foram resumidos no livro Saber comer: as 64 regras de ouro. Neste tema da comida sem pressas deixa uma sugestão: a primeira garfada é o banquete. Assim, resume-se de forma bastante sucinta, a ideia de comer como uma festa para os sentidos. E não uma sucessão de garfadas até não poder continuar mais, de tão cheio que se está.
A autora Raquel Tavares, no seu livro Slow: as coisas boas levam tempo, ajuda a elaborar. Aconselha a:
- degustar a comida, mantendo-a mais tempo na boca, distinguindo os diferentes sabores e texturas e procurar mastigar mais vezes e mais devagar
- pousar os talheres, dar um gole numa bebida e parar um pouco entre garfadas
A autora sugere também que se deve aprender a reconhecer no próprio corpo os sinais de saciedade e a respeitá-los.
Acrescenta-se, por fim, a importância da respiração na alimentação. Não só se reduzem as já referidas apneias, como também se permite ao olfato fazer a sua parte. Certamente se recorda de alguma vez que comeu com o nariz entupido e a comida não lhe soube a nada. De facto, uma grande parte do sabor do que se come vai além das papilas gustativas na língua. O olfato é o grande responsável pela complexidade dos aromas e sabores. Ao permitir-se respirar pelo nariz enquanto come vai, quase inconscientemente, amplificar as sensações agradáveis associadas à degustação e à alimentação.
Com equilíbrio
Inspire-se nas sugestões apresentadas e desafie-se a tentar um ou outro conselho nas suas refeições. Comece pelas que lhe são mais fáceis de controlar, nas quais se sente mais à vontade para parar e degustar. E se, num dia, se apanhar a comer novamente cheio de pressa, não se culpabilize, e tente acalmar um pouco na refeição seguinte. A vida saudável constrói-se desafio a desafio, sem culpas e sem pressa.
Teresa Fernandes, Fisioterapeuta
Instrutora de Yoga Suspenso, Gyrotonic e Gyrokinesis (aplicação na perda de mobilidade, prevenção de problemas músculo-esqueléticos, pré e pós-parto)